Os nossos próprios limites
| Reflexão |
1) Primariamente tenho de transmitir “publicamente” um agradecimento especial aos colegas que na minha presença tiveram coragem de assumir que já tinham precisado de ajuda, e que foram um dos meus triggers para também eu ganhar coragem de o fazer. Estratégias de coping ajudam, claro (e para mim a filosofia foi uma delas), mas por vezes temos de admitir que é preciso mais, e é para isso que existe ajuda profissional.
2) Segundo, gostaria de tranquilizar quem está a ler: não é um texto de auto-ajuda, não me vou armar em psicóloga, conselheira, coaching, nem algo do género. O objectivo deste texto passa sim por sensibilizar em relação a um assunto sensível, saúde mental, a nossa. Posso começar por dar também mais ferramentas, partilhando aqui uma referência de um blog e de quem efectivamente percebe de saúde mental: https://psicovid19.blogs.sapo.pt/ (Já tinha partilhado algo deles numa outra crónica sobre suicídio, na minha página de facebook).
3) Terceiro, vamos esclarecer um ponto: não faz sentido dividir corpo-mente (Dantas Lima, Lucia, Alves, & Turato, 2014), mas tendo em consideração as nossas limitações de linguagem, para os devidos efeitos vamos assumir que quando refiro "mente", estou-me a referir a emoções, sentimentos, pensamentos, mas sem limitar a isso (a mente/cognição vai muito para além disso, mas ficará para outras crónicas).
4) Quarto, tenho um pedido de desculpas/esclarecimento a fazer. Ao longo das minhas crónicas, sobretudo nas “crises de identidade” (ver "início"), tenho por hábito colocar em causa as nossas práticas.
O meu objectivo não é obviamente desencadear uma “crise” a ninguém, claro, mas... gostaria antes que:
1) não caíssem na armadilha da alienação;
2) não tenham medo de sentir dilemas na vossa prática, pois eles podem ser precursores de mudança e aprendizagem (Mezirow, 1997);
3) e reconheçam que os perigos de não questionar podem ser bem graves para os nossos pacientes (crenças intoleráveis), e temos responsabilidade perante eles.
Parece-me compreensível assumir que todos temos limites, corpo-mente, e se calhar era importante reconhecê-los, respeitá-los, trabalhá-los... Como efectivamente não tenho competências para falar muito mais sobre o assunto, fico por aqui. A reflexão pública surge na expectativa de que talvez falar sobre isso ajude outros (como me ajudaram a mim).
Mas a reflexão não fica por aqui.
Como fazer as pazes com o mau-estar “mental” e assumir a incerteza da nossa prática, sabendo que isso nos traz insegurança e vulnerabilidade?
Obviamente que o nosso local de trabalho (para além da nossa vida) é um lugar complexo, e a nossa prática acaba por ser influenciada nesse molde, por vezes bem limitado. Usando por exemplo um modelo disposicionalista (Anjum, Copeland, & Rocca, 2020): maus hábitos de vida, má higiene de sono, stress cumulativo, problemas pessoais paralelos, problemas económicos, ausência de férias... (mais problemas associados ao COVID-19)... E adicionalmente uma pessoa chata a pedir reflexões, eu sei... Todos estes factores podem contribuir, mas por vezes não basta mexer num só factor para garantir o sucesso.
Agora vamos à parte mais complicada...
Hoje não tenho de todo uma resposta para dar, motivo porque não chamei “artigo de opinião” ou “ensaio”. Porque não há uma resposta simples, para um problema tão complexo...
O que é que vos posso dizer?
Para além de estarem mais atent@s aos vossos próprios limites, perder o medo ou vergonha de pedir ajuda (pode-se começar nos amigos, família, colegas, e vai-se explorando para os profissionais competentes), gostaria de vos sugerir que reconheçam algo: pelo mesmo motivo porque insisto tanto em questões de sensibilidade e empatia para com os nossos pacientes, reconheçam a importância de terem sensibilidade e empatia com vós mesm@s.
Para finalizar:
- Um agradecimento especial a todos os pacientes que sem se aperceberem ajudam a dar sentido à nossa prática, e por isso à nossa vida também (e falo por mim). (Crónica existencialismo)
- A todas as pessoas com quem debato frequentemente, e de quem às tantas não sei bem onde acabam as suas reflexões e começam as minhas, muito obrigada: sem vocês, eu garantidamente não pensaria como penso.
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