Filosofia aplicada - O absurdo da existência

| Artigo de Opinião |

Quando as pessoas à minha volta me falam dos pequenos problemas da vida, ou eu mesma começo a ficar obcecada com os meus, lembro-me desta noção: o mundo é absurdo, a existência é absurda... Mamíferos sentados sobre um pedaço de madeira morta, a comer outros animais e plantas mortas; vestidos segundo preceitos culturais e não por utilidade ou conforto; a discutir de forma calorosa assuntos pouco relevantes, e ignorando de forma quase consciente o facto de a vida poder acabar a qualquer momento.

Se nos distanciarmos das nossas práticas “normais” da sociedade, colocarmos de lado as nossas crenças, e olharmos com profundidade para a nossa existência e o que nos rodeia, facilmente chegamos à mesma conclusão que Jean-Paul Sartre chegou, filósofo existencialista: a existência é absurda.

Mas quando assumimos essa absurdidade, o que nos sobra? Como lidar com a sensação de vazio, de falta de sentido da vida, e ainda por cima com finitude iminente...? As crenças religiosas e espirituais chegam para dar respostas confortáveis e honestas a tudo?

Enquanto profissionais de saúde, sobretudo quando lidarmos com a iminência da morte, somos quase que obrigados a estar bem resolvidos com a mesma, ou invariavelmente vamos lidar mal com a morte dos nossos pacientes (geralmente são mais os colegas com formação em Cuidados Paliativos que estão melhor preparados).

E, se por um lado temos de saber lidar com a possibilidade da morte dos nossos pacientes, como lidar com as perdas em vida?
Como lidar com a degradação da qualidade de vida, ou a iminente perda de dignidade?
E, já agora, como lidar com a nossa existência e os nossos problemas pessoais, sem termos de usar os problemas dos outros para relativizarmos os nossos?

Se a existência é realmente absurda, de que vale as nossas preocupações e dos nossos pacientes? Parece ser irrelevante... O que só por si nos ajuda a relativizar os problemas pequenos. Mas, e o sentido da vida, cuja finitude é uma realidade que não podemos ignorar?

Estas perguntas não têm respostas certas obviamente, mas curiosamente, é junto da filosofia Existencialista que surge, em Ética, o conceito da Responsabilidade Social (já apresentado noutra crónica), de Simone de Beauvoir, que me inspira a apresentar a seguinte proposta de pensamento:

Já que existe este aburdo da existência, então mais vale fazer algo dela, de preferência aliviando a existência dos outros, como fizeram os nossos antepassados por nós.
 
Portanto, colegas:
- Aproveitem o vosso exercício profissional para aliviar a existência dos pacientes,
- Aproveitem os vossos recursos para aliviar o exercício profissional dos colegas,
- Aprendam a valorizar o que os vossos pacientes ainda podem fazer pela existência dos outros, sem os menosprezar com base nos problemas da sua condição de saúde.

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(Texto recuperado de Julho 2019)

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