Filosofia aplicada - Uma questão de responsabilidade... não ignorar o sofrimento alheio

| Artigo de Opinião |


“É uma responsabilidade enorme do ponto de vista colectivo de reconhecimento do sofrimento atroz que as pessoas podem estar sujeitas”(1).

Esta frase foi escrita por um amigo, e está tão boa... Ela sumariza alguns dos pontos essenciais em relação à responsabilidade do que é ter e ser um “sistema de saúde” numa nação.

António Damásio, algures num livros que li dele, dizia algo muito interessante (como é normal nele), e que, se a memória não me falha, era algo do género: o ser humano tem uma forma particular de evolução, em que a forma como a sociedade se organiza é de certa forma uma extensão da forma o nosso sistema interno procura manter a homeostase.

E no fundo, todos os responsáveis para manter o “sistema de saúde” a funcionar acabam por demonstrar o quão complexa essa “máquina” é. E esta máquina é mantida em funcionamento por todos os elementos que contribuem para a homeostase de quem precisa de ser cuidado: todos os profissionais de saúde, mas não apenas, todos os profissionais auxiliares de acção médica, todos os que reencaminham para nós e facilitam acesso a cuidados (nomeadamente assistentes sociais) e muito especialmente os cuidadores, quer formais, quer informais.

A necessidade de manter a homeostasia do nosso grupo pode ser uma característica inapta, com algum racional posterior: a empatia pelo sofrimento alheio, a necessidade de ajudar terceiros (altruísmo), mas também a necessidade de mantermos relações de cooperação entre outros elementos da nossa espécie, à semelhança de outros animais (2). Talvez a principal diferença entre uma pequena sociedade de outros animais e a nossa sociedade globalizada possa ser somente uma questão de dimensão, e obviamente a organização que essa dimensão requer.

Independentemente do porquê, todos nós compreendemos as vantagens de manter relações de cooperação entre todos, e isso pode incluir o cuidar de quem não possa fazê-lo por si.
Esse cuidar não deveria ser imposto... Mas às vezes é necessário recordar a todos porque é que essa responsabilidade não cabe só ao doente e à família que cuida, mas a toda a sociedade.
 
Todos os elementos da sociedade, que usufruem das regalias que são resultado de séculos de relações de cooperação, também têm responsabilidades perante a sociedade (conceito Contrato Social, discutido por Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau).

É compreensível que nem toda a gente se sinta confortável de ter um papel activo nesse cuidado, e a presença dos profissionais previamente referidos preenchem essa lacuna. Contudo, isso não implica uma não reflexão sobre as nossas responsabilidades sociais em relação à saúde: não apenas a nossa, mas a saúde de todos.

Além disto, toda e qualquer decisão que tomemos acerca da saúde de todos é uma manifestação do nosso poder, poder esse que vem acompanhado de responsabilidade (Simone de Beauvoir).

Ao que vos pergunto:
 
Se couber a todos a tomada de decisão acerca da saúde dos outros, tomam essa decisão de ânimo leve?
Conseguem reconhecer o sofrimento alheio e reconhecer que têm responsabilidade perante ele, ou preferem permanecer alienados e deixar outros decidir?


Por uma questão de responsabilidade...
.... não se alienem do sofrimento alheio...


(1) Citação do colega Bernardo Pinto, Ft.

(2) Debate com amiga Tatiana Mendonça Alvez, bióloga marinha.

 

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