Uma questão de sensibilidade - Correr ou não correr para o autocarro? Tentar, desistir ou recalcular os nossos limites?
| Artigo de Opinião |
Quando o nosso corpo decide pregar-nos uma
rasteira e perdemos capacidade motora, por acidente, lesão ou doença
súbita, somos obrigados a reconsiderar o que podemos e não podemos fazer
e a lidar com a eventual frustração associada.
Para explicar
determinado ponto de vista aos meus pacientes muitas vezes uso metáforas
ou alegorias, para criar um certo distanciamento à situação complicada
que a pessoa está a viver, simulando uma situação ligeiramente
diferente.
Situação: Vemos o autocarro que queremos apanhar a aproximar-se da paragem, e ainda estamos longe, e no espaço de segundos tomamos a decisão de tentar ou não apanha-lo. Hipóteses possíveis:
- Corremos e apanhamos o autocarro;
- Corremos e perdemos;
- Não corremos e esperamos pelo próximo.
Quando
estamos perante uma nova limitação motora, a probabilidade de não
conseguirmos chegar a tempo torna-se maior, por várias razões: não temos
capacidade para percorrer rapidamente a distância que nos separa do
autocarro, e/ou ainda não estamos habituados à limitação e calculamos
mal tendo em conta a distância/velocidade do mesmo.
Perdemos o autocarro. Qual é o problema? “Estive a correr para nada, mais valia estar quieto, vou ter de apanhar o próximo.” Admitamos... é um pouco frustrante quando isso acontece.
Poderiam
pensar que o objectivo do fisioterapeuta é treinar para recuperar a
capacidade de correr ou deslocar-se mais rapidamente para no futuro o
nosso paciente poder apanhar o autocarro. É, e não é. Porquê? Porque
isso não será possível para todos os pacientes: por vezes deixar de
poder fazer algo não é temporário mas, infelizmente, definitivo. Também nos cabe a tarefa de prepararmos o paciente para aprender a “não correr e esperar pelo próximo”.
Acha uma perspectiva negativa? Acha que é o mesmo que desistir? Não penso que seja, penso que seja realista: aprender a recalcular as nossas capacidades, ter noção dos nossos limites e decidir em conformidade. Penso que seja até bastante lógico. As hipóteses continuam a ser iguais, mas na nossa cabeça podemos reformular da seguinte forma:
- Esperamos tranquilamente pelo próximo;
- Tentamos arriscar e decidirmos fazer um pouco de exercício, mesmo que não consigamos.
Ninguém poderá fazer por nós o luto das nossas capacidades perdidas, nem as expectativas que tínhamos em relação ao futuro (nalgumas situações é aconselhável trabalhar este processo em colaboração com a Psicologia). E ter isto em consideração não é sinónimo de desistir, não treinar, não lutar contra as nossas limitações. O ser humano tem uma imensa capacidade de adaptação: use-a.
Tem noção dos seus limites?
“Correr ou não correr para o autocarro?”
(Texto recuperado de Agosto 2017)
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