Filosofia aplicada - Crenças

| Artigo de Opinião |

Aquela pessoa nunca disse mas não gosta de mim, tenho a certeza. Sou feia, gorda, magra, demasiado alta, baixa... Eu sei o que é melhor para mim. Eu sei o que não é melhor para mim. Eu sou péssima naquilo. Eu sou óptima naquilo. Aquilo faz-me bem. Aquilo faz-me mal.

Crenças.

Todo o dia, a toda a hora, inúmeras crenças passam pela nossa mente, alimentadas pelo nosso contexto ambiental, alimentadas pelas pessoas à nossa volta, alimentadas por nós. Há crenças tão fortes que são alimentadas por populações inteiras (noção de nação e identidade cultural) e ultrapassam vários países (identidade política, identidade religiosa, identidade de clube desportivo, preconceitos... e direitos humanos).

 

Não podemos qualificar uma crença de algo necessariamente mau ou bom. É somente uma crença. Há crenças boas, como os direitos humanos, no sentido em que são ideias/conceitos que vão evoluindo com o tempo, e ainda bem, e crenças claramente más, como os preconceitos.

Há crenças que nos prejudicam a nós (aquela pessoa não gosta de mim).
Mas há crenças que podem prejudicar outras pessoas... e em grande medida:

Não há muito tempo atrás, a maioria da população acreditava que existiam seres humanos inferiores a outros, e que por isso não teriam os mesmos direito que os outros. Escavatura.
A escravatura durou tantos séculos, e está de tal forma enraizada em nós que, ainda hoje, podemos ver algumas das suas raízes moribundas: preconceitos, nomeadamente o racismo e a xenofobia.

A área da Filosofia que estuda as crenças e o conhecimento é a Epistemologia. É muito difícil enumerar apenas um ou dois filósofos que falam sobre crenças... Desde o que é a noção de verdade (independente do humano), crença, e conhecimento.

De modo a testar o conhecimento, o ser humano criou um instrumento muito interessante e universal, procurando minimizar ao máximo as crenças inerentes ao processo de investigação: método científico. 

Mas, sem entrar em pormenores acerca da investigação científica nesta crónica, ficando somente pelas crenças, vamos usar um típico silogismo lógico dedutivo da filosofia:

Premissa 1: O humano (processo de pensamento) não é isentos de crenças (1, 2).
Premissa 2: Os profissionais de saúde são seres humanos.
Conclusão: Os profissionais de saúde não são isentos às crenças.

Parece óbvio? Pois é, mas às vezes nós esquecemo-nos disso, e só nos focamos nas crenças dos pacientes.

Se a Filosofia falasse connosco, diria algo do género: enquanto ser consciente (ou seja, potencialmente mais responsável pelo que faz), o mínimo que podemos fazer é ter noção de qual parte dos nossos pensamentos são crenças (recorrendo a informação disponível de teor científico) e questioná-las.

Ao que eu pergunto:

Quais as vossas crenças profissionais?

Até que ponto é que as vossas crenças profissionais podem vos prejudicar ou podem prejudicar os outros?

Referências:
(1) How the Brain Biases Beliefs https://neurosciencenews.com/biases-beliefs-9701/
(2) Cognitive bias codex https://ritholtz.com/2016/09/cognitive-bias-codex/

Nota: Decidi não ser muito exaustiva na crónica. Se for do vossos interesse, posso desenvolver o assunto por mais crónicas.

 

(Texto recuperado de Julho 2019)